Sobre os ganhos sociais e
afetivos da depressão |
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Muitos
deprimidos angariam, com o seu quadro, amor e proteção. E isto costuma
atrapalhar a recuperação. Qualquer
que seja a origem da depressão, o estado pode angariar, ao deprimido, certas
vantagens, como a atenção dos filhos, os cuidados da pessoa amada e a
dispensa de obrigações ou de decisões. Como
a viúva que tem uma filha que mora com ela, a segunda que vem lhe fazer o
almoço e outra que vem passar o fim de semana com ou sem a sua própria
família. A filha que mora com ela e trabalha nunca pode passar uma noite fora
com o namorado durante a semana, precisa não deixar a mãe sozinha. A que vem
fazer o almoço, tem de se desdobrar com a sua própria casa e esta atividade
amorosa: após servir o almoço aos seus e levar os filhos para a escola, se
dirige para servir o almoço da mãe, durante a tarde, prepara a refeição do
dia seguinte e ainda ajuda em algum afazer doméstico. A terceira nunca pode
participar dos momentos de lazer de seus familiares aos domingos porque
precisa ficar com a mãe para que as outras irmãs possam ter alguma atividade
pessoal; no mínimo, precisa dormir lá para a irmã ter alguma privacidade ou
atividade de lazer com o namorado. E o discurso não muda: a viúva é tão
sofredora, vítima e carente que precisa do amor de suas filhas para
sobreviver. Todas estão envolvidas em nome do amor familiar em uma estrutura
deprimente. É quando o amor até ajuda a sobreviver, mas também mantém a
depressão. Como
uma outra senhora em que a sua depressão faz o marido sentir-se na obrigação
de ficar em casa e cobrir-lhe nos afazeres domésticos. O estado depressivo se
confunde com a situação impotente, carente e vitimizante
e assim o sofrimento se perpetua pelo amor de seus queridos. Essa
relação social doentia muito comum é gerada pelo quadro depressivo porque
este quadro fomenta a proteção, os cuidados e a atenção com o deprimido. Não
costuma ser a geradora da depressão original, mas certamente a prolonga.
Nunca é uma decisão racional, tampouco consciente ou reconhecida como
"de propósito". Pelo contrário, normalmente a própria pessoa e seus
parceiros no quadro psicopatológico a reconhecem como vítima, daí o título:
depressão da vítima. O que é coerente: a pessoa em questão foi vítima de
alguma perda, é frágil e carece de proteção e amor. Nestes
casos, fármacos resolvem? Até reduzem o sofrimento de muitos, este alívio
pode dar condições de reestruturação, mas não curam, até podem perpetuar.
Solidariedade e amor resolvem? Não, também perpetuam. O que fazer? Reflexão
depressão 09. Como lidar com os ganhos sociais e afetivos do quadro
depressivo sem sacrificar ainda mais o deprimido? |
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