SP02.13e |
O
dono da verdade |
A
expressão você é dono da verdade é assunto de meu interesse de longa
data. Quase
sempre é uma expressão multifalaciosa. Quando
aplicada pela primeira vez, costuma ser do tipo homem de palha: tem o
objetivo de criar algo para se acusar, visando desviar a atenção do debate
original. Depois passa ao tipo argumentum
ad hominem, com o objetivo de tornar a frase verdadeira. Geralmente
a expressão é utilizada para evitar ou desviar a atenção de um embate ou
dialética. Dialética,
aqui, seria o processo de diálogo entre os interlocutores comprometidos com a
busca da verdade ou da melhor solução. Isto se embasa em apresentar
argumentos, ouvir contra-argumentos e ponderá-los, sempre buscando nivelar
opiniões e projetos, o que deveria desaguar na verdade ou na melhor solução. Mas
nem todo mundo têm argumentos ou eloquência para manter a dialética. E é aí
que sai a frase você é dono da verdade. O
debate se dá porque ambas as partes têm opiniões diferentes, logo,
inicialmente, as duas pessoas poderiam ser assim acusadas, mas não o fazem:
sabemos que as possíveis soluções estão nos argumentos e ponderações, não em
acusações pessoais. Em
determinado momento, uma delas solta a acusação, por vezes em forma de
questão: você é o dono da verdade? O
argumentador melhor ferramentado não precisa e não usa da acusação. Quem
acusa costuma ser justamente a pessoa que teve seus argumentos refutados e
esgotados. 2)
A soberba e a arrogância se fazem presentes. A incapacidade de aceitar os
próprios erros e dificuldades levam pessoas a arrogar a si o direito de
desviar o assunto, acusar a contraparte e concluir pelo que seja do seu
interesse. 3)
E, de quebra, ainda costuma cobrar respeito, como todo juiz merece: não
admite ser avaliado. 4)
A falácia se torna escorregadia ou bola de neve: com a contraparte acusada de
dona da verdade, o falacioso conclui que seus argumentos são todos
incorretos, se recusando a avaliá-los. Por isto substituem, na dialética, os argumentos pela expressão em
epígrafe (você é o dono da verdade!). Esta
é a característica que confirma a inocência útil ou emburrecimento: ele se
recusa a avaliar os argumentos da contraparte. 5)
A ladeira continua. Se a contraparte tentar contestar a acusação, seu esforço
apenas confirma que ela se coloca como a dona do saber, confirmando a
acusação. Por isto identifico uma enorme covardia nela. 6)
Com essa expressão ele próprio se coloca como o dono da verdade. E não
percebe, pois continua se negando a ouvir os contra-argumentos. e.2. Devolvendo
a acusação Há
quem afirme que a pessoa com bons argumentos, a partir do momento que a outra
parte para a falácia, também poderia acusá-la de dona da verdade, e aí
estaria correta. Sim,
é verdade. Mas geralmente ela não faz assim. É mais inteligente se concentrar
nos argumentos ou nas suas falhas de argumentação, não em supostos atributos
pessoais falaciosos. Quem
tem bons argumentos não usa a expressão. Por isto podemos inferir que, quem
usa a acusação, sempre é o dono da verdade. R-SP02.13f.
Objetivo do diálogo Entenda:
há pessoas que entram num diálogo, dialética ou retórica no intuito de
aprender e aprimorar seus saberes ou chegar a um acordo ou conclusão. Outras,
entendem que esses embates são competições e que devem fazer de tudo para
ganharem. São os que usam a expressão em voga. Ou
desejam apenas depreciar ou rebaixar a contra-parte. Estatísticas
Registrei
inúmeros casos de pessoas chamando a outra de dona da verdade. Faça o mesmo.
Em todos eles, quem acusou e se recusou a ouvir os contra-argumentos – por vezes
os dois lados – se colocou como o dono da verdade e era o que agia errado. E
nas suas pesquisas (exclua os casos em que é você a nomear os outros)? Voltar
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