Pausa na acupuntura

Por que a sangria deixou de ser praticada no início do século XX e voltou como acupuntura após a segunda Grande Guerra?

Sabemos que a acupuntura na China entrou em declínio ao fim da dinastia Qing, mas não se divulgam os verdadeiros motivos. No máximo que em 1822 as autoridades da Dinastia Qing proclamaram uma lei que abolia os departamentos de acupuntura e moxibustão da faculdade de Medicina Imperial1. As obras de acupuntura se confundem quanto aos motivos para isto. Algumas afirmam que o imperador da época não reagia bem ao tratamento com a sangria e há quem coloque a responsabilidade no caráter revolucionário que buscava apagar vestígios do império anterior.

Ora, esses motivos não justificam tal medida: não se inibe a Medicina contemporânea por questões políticas apenas: nenhuma revolução seria do agrado do povo se lhe evitasse curar suas mazelas. Por isto prefiro as informações da História, que utiliza interesses socioeconômicos.

Enquanto os principais locais para se viver eram o campo e as pequenas aldeias, as sangrias forneciam resultados satisfatórios com os males comuns da época. Como dores de cabeça ou na barriga, febre, viroses, cólicas menstruais e constipação.

Sim, a sangria tem resultado em todos estes males. Ao retirarmos uma pequena quantidade de sangue do organismo, ele reage produzindo imediatamente sangue. Em todos os seus componentes. Hormônios afetam a cólica menstrual e a TPM, a série branca tem ação na imunidade, a série vermelha na anemia e assim por diante. O aumento metabólico promovido pelas sangrias alivia até as dores em geral: o aumento da circulação melhora a retirada de estressores do organismo, com ação na qualidade do sangue, na redução da dor, na compensação muscular, na regulação hormonal e assim tem ação em muitos dos males.

Mas a sangria não promove a cura da hanseníase, da tuberculose e das gripes, que àquele tempo eram tratadas com algum tipo de isolamento (da cidade ou pelo menos do convívio social).

Com o desenvolvimento das cidades e, em especial, do artesanato têxtil que reunia milhares de pessoas em um único local, essas patologias – hanseníase, tuberculose, peste bubônica e gripes – encontraram condições propícias para dizimar populações. Essas pragas se tornaram frequentes nas cortes francesa e inglesa a ponto de eliciar o desenvolvimento do Higienismo, muito mais eficaz no tratamento dessas patologias. Os higienistas foram os primeiro médicos que se voltaram ao controle de epidemias populares. Antes, os médicos só se voltavam apenas às cortes e aos exércitos. Como a fitoterapia, hábitos alimentares e procedências higiênicas conseguiam certo controle daquelas epidemias enquanto que as sangrias não, a substituição da sangria foi paulatinamente ocorrendo à medida que o ciclo do algodão tomava força pelo mundo, inclusive na China, outro forte produtor dessa matéria prima.

Assim durante o século XVIII na Europa e o Século XIX no Oriente, a sangria foi paulatinamente substituída pela fitoterapia e técnicas de higiene.

De outra forma. Pra onde ia todo o algodão produzido no Brasil durante o ciclo do algodão? Resposta: para a Europa, o que fez aumentar a população nas cidades.

5) Por que a acupuntura voltou a ser praticada no século XX

Isto é perfeitamente coerente com as precárias condições sócio-econômico-culturais decorrentes do fato de a China fazer parte dos que perderam a primeira Grande Guerra, somadas ao projeto Grande Salto para a Frente do imperador Mao2. Recomendo a obra de Li Zhisui, último dos médicos chineses a tratar do imperador, aos que se interessam pela verdadeira história. Esta obra prima não trata de acupuntura até porque o imperador, apesar de estimular o uso popular, não requisitava para si a Medicina Tradicional Chinesa. De acordo com a obra, o imperador fazia questão que seu médico particular fosse de nacionalidade chinesa e graduado em medicina ocidental.

Essa obra, nas entrelinhas, descreve a situação de penúria em que ficou a China após a derrocada nas Grandes Guerras até o exílio do médico após a morte do imperador. Visando a reestruturação chinesa, o imperador proibiu a importação de quase tudo, projeto que chamou de Grande Salto para a Frente. O autor relata situações em que chineses não possuíam nem vestes para se apresentar aos médicos, tampouco para trabalhar no campo. A fome teria sido responsável pela morte de oito milhões de chineses entre as duas Grandes Guerras e também pelo fato de esse povo, assim como alguns que passaram igual penúria, adquirir hábitos alimentares exóticos. Como comer qualquer carne, mesmo de ratos, gatos e cães. E até baratas, aranhas e insetos. Neste caos e na falta de recursos, as técnicas antigas foram resgatadas. Com o envelhecimento do ditador Mao Tsé Tung e a criação do Congresso, este último precisava dar conta da precariedade do sistema de Saúde do país, assim restaurando e dando nova roupagem às medicinas antigas. E alcunhou tudo isto de Medicina Tradicional Chinesa (MTC)!

Outra ótima obra para conferir a falta de sistema de Saúde e desenvolvimento da MTC nos pós Grandes Guerras é a da Lilian Moreira Jacques (na bibliografia). Onde também tomaremos conhecimento que existiam muitas linhas de medicina na antiguidade, com antagonismo entre elas. Em acordo com esta obra (pg. 47):

"... Apenas 77 centros de saúde e 144 unidades de tratamento rural numa nação de 2.000 cidades e 100.00 aldeias, existiam em 1937, ocasião da invasão japonesa da Manchúria. Os anos entre esta invasão e a Segunda Guerra Mundial deixaram as instituições da sociedade chinesa em ruínas."

Se em 1937 já estava péssimo, podemos imaginar a missão do congresso chinês em recuperar a China após a segunda Grande Guerra. O congresso foi criado para dar conta das dificuldades do imperador Mao Tsé Tung, aquele que assumiu ao final da primeira Grande Guerra. 

O atual sistema MTC foi desenvolvido a partir da Segunda Grande Guerra a partir de novas interpretações de registros chineses antigos para dar conta da penúria em que se encontrava a China. Pena que além desses registros algumas falsas ideias foram inseridas, como a confusão entre acupuntura e sangria.

 

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