DRS.19

Café, dor e rotina

Sobre o consumo diário de café


Benefícios do café

Há anos, desde que Zé Brazil começou no último emprego, toma algumas doses diárias de café. De acordo com certa matéria global, devido ao aumento metabólico que a cafeína elicia, isto beneficia a circulação e todo o sistema cardiovascular. E as pesquisas confirmam.

Um convênio entre a Embrapa Café, Unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e a Fundação Zerbini (Incor- Instituto do Coração) vai avaliar os benefícios do café para a prevenção e cura de doenças do coração (algo que já é dado por certo).

O acordo, que será assinado em breve, vai resultar na criação da Unidade de Pesquisa Café e Coração. Pela primeira vez no mundo, uma empresa de pesquisa agropecuária e um instituto de doenças cardiovasculares se unem para desenvolver pesquisas em parceria. Vão avaliar, em 10 anos, os benefícios do café torrado, não torrado e em pó. Para um consumo moderado de 600 ml de café forte.

Dúvidas quanto aos benefícios do café

Pesquisa da faculdade de odontologia da USP comprovou em ratos que forte consumo de café promove substancial perda de massa óssea. Outros estudos indicam que o consumo de cafeína durante a gravidez prejudica o feto. Mas pesquisas em ratos, quando há interesse, não são consideradas válidas para humanos. Opiniões diversas encontradas na Internet afirmam que o consumo moderado de café não promove osteoporose nem afeta os fetos, mas não apresentam pesquisa com metodologia científica conferindo que o consumo moderado de cafezinho não provoca males à saúde humana. Tampouco como definiram que 600 ml de café forte é um consumo moderado.

Você viu esta pesquisa?

Se existe a possibilidade de o consumo de café provocar perda de massa óssea e outros males, por que não começam a pesquisa investigando esta possibilidade? Por que só as doenças cardíacas que provavelmente melhoram serão avaliadas na pesquisa já comentada?

Dores de cabeça provocadas pelo café

Zé Brasil foi passar uns dias em certo camping remoto. E lá não dispunham de café. Esqueceram de comprar. Não deu outra: uma sensação muito desagradável durante todo o dia. Primeiro dores de cabeça, depois dores pelo corpo e aquela eterna sensação de mal-estar que o deixou de mau humor todo o feriadão. Até náuseas teve. Algo comum em crises de abstinência.

Zé já havia experimentado algo assim, mas bem mais leve. Passou vários meses tendo dores de cabeça aos fins de semana. Até que descobriu a causa: em casa tomava apenas um cafezinho, na parte da manhã, enquanto que no trabalho, vários. Foi muito fácil resolver o problema: bastou aumentar o consumo nos fins de semana.

Cafezinho não é droga

Diga-se logo: cafezinho não pode ser comparado a álcool, maconha ou cocaína.

A cafeína (1,3,7-trimetilxantina) é utilizada como um estimulante cardíaco, um energético e/ou um diurético. É uma droga e causa dependência. Opera por mecanismos similares, porém bem mais suaves, que as anfetaminas e a cocaína (age nos mesmos receptores do sistema nervoso central - SNC). 

Diga-se de passagem

No caso das drogas que causam dependência, nosso sistema neurológico aparentemente se acostuma com as drogas, que vão gradativamente diminuindo os efeitos fazendo com que o consumo tenda a aumentar. Isto não ocorre com a cafeína, que mantém o mesmo nível de consumo por anos. Alguns com apenas uma dose diária (50 ml), outros com três e há quem consuma mais de oito. Outra diferença: tomografias computadorizadas comprovam o grande estímulo dos neurônios cerebrais logo após o consumo de drogas como maconha e cocaína, e a perda de parte deles após algum tempo de uso. Com o cafezinho, as reações são bem mais leves, logo, cafeína é uma droga, causa dependência, mas não é uma droga maldita. Alguns assim a classificam, outros negam veementemente.

Mecanismos de ação da cafeína

1) Estimula a atividade neural e causa constrição dos vasos sanguíneos porque bloqueia a ação da adenosina, um neurotransmissor natural, ao se ligar aos receptores da adenosina e impedindo a ação dela sobre o SNC. Por isto a cafeína faz parte de remédios para dores de cabeça ou musculares. Efeito negativo: após o viciamento por cafeína, o não consumo desta provoca dor de cabeça pela excessiva dilatação dos vasos sanguíneos no cérebro. O excesso de dilatação dos mesmos vasos facilita, numa segunda etapa, dores pelo corpo.

2) O aumento da atividade neurológica estimula as glândulas suprarrenais a liberar mais adrenalina. Isto causa aumento dos batimentos cardíacos, da pressão arterial e da tensão muscular e abertura dos dutos respiratórios (por isto a cafeína também é utilizada em remédios para problemas respiratórios como bronquite). Efeitos negativos: aumento dos batimentos cardíacos, da pressão arterial e da tensão muscular.

3) A cafeína também atua sobre os mensageiros cAMP, responsáveis pela regulação na produção de adrenalina, porque bloqueia a enzima fosfodiesterase, responsável pelo controle e absorção da adrenalina. Os sinais da adrenalina são mantidos por mais tempo: a pessoa se sente mais animada e bem disposta, o que afeta o sono.

4) A cafeína também aumenta a concentração da dopamina no sangue por que impede sua recaptação no SNC. Este hormônio possui várias funções. É um dos responsáveis pela redução da dor e está relacionado com o prazer. Efeitos negativos: o excesso dificulta o estado de sono, algo muito prejudicial ao organismo.

Mais um caso com o consumo de cafeína

Lu Brazil sofre de dores nas costas e sua filha, de dores na cabeça. O tratamento: como sempre, fármacos. Como dorflex, tandrilax ou tonopan. Os remédios para dores em geral costumam conter alguma dose de cafeína.

Até que um dia Lu e sua filha já não mais sentiam dores e resolveram parar com os remédios. Não deu outra: as dores voltaram. Não apenas a dores, mas mal estar, dificuldade de raciocínio e até náuseas, como os sintomas do Zé quando ficou sem a cafeína: como se a pessoa não funcionasse sem a sua dose diária de fármacos com cafeína.

Dados

E difícil afirmar qual a quantidade de cafeína por dia que provoca dependência porque desconhecemos pesquisas. Há quem tome apenas uma dose pequena pela manhã, apenas 50 ml e, na falta, já sinta os sintomas de abstinência. Parece coerente afirmar que a dose de 100 ml de café ao dia seja suficiente para causar a dependência.

Cada xícara de café de 50 ml possui entre 28 e 50 mg de cafeína, conforme a concentração do pó. Cerca de 40 mg/50 ml. Ou seja, a quantidade de 100 ml corresponde a 80 mg de cafeína.

DORFLEX: cada comprimido contém: citrato deorfenadrina, 35 mg; dipirona, 300 mg; cafeína, 50 mg. Consumo regular: três ou quatro comprimidos ao dia. 150 a 200 mg de cafeína.

TANDRILAX: cada comprimido contém: cafeína, 30 mg; Carisoprodol, 125 mg; Diclofenaco sódico, 50 mg; Paracetamol, 300 mg. Consumo regular: três ou quatro comprimidos ao dia. 90 a 120 mg de cafeína.

TONOPAN. Cada drágea contém: Propifenazona, 125 mg; Mesilato de diidroergotamina, 0,5 mg; Cafeína, 40 mg. Consumo regular: três ou quatro comprimidos ao dia. 120 a 160 mg de cafeína.

Lata de coca-cola (diet ou não): 45,6 mg/lata.

Você viu a pesquisa que definiu o volume que pode ser considerado um consumo moderado de café?

A pesquisa da unidade de Pesquisa Café e Coração pretende utilizar o consumo diário de 600 ml de café forte (quatro xícaras de 200 ml, com o total de 450 mg de cafeína), que considera um consumo moderado. Ora, vemos pessoas dependentes com a quinta parte desse consumo.

Quanto de cafeína podemos consumir diariamente sem causar dependência?

 Quando suspendemos o uso de um remédio para dores com cafeína em sua fórmula e a dor volta ou ocorre mal estar no cliente, quanto do sintoma é relativo à abstinência da cafeína, quanto é devido à dependência dos outros componentes e quanto pode ser imputado ao mal original (a dor nas costas ou a dor de cabeça)?

Qualquer consumidor de café e seus familiares sabem da tal crise de abstinência quando pessoas viciadas nesse produto não o consomem. Também já sabemos que não podemos comparar o consumo de café ao de drogas ilícitas. Mas por que faltam pesquisas que mostrem essa dependência?

Não é à toa que sugiro tais pesquisas, mas porque isto parece comprometer a qualidade de vida do consumidor de café pelo fato de restringir sua capacidade de sentir-se feliz. Mas deixemos isto para o texto Café e Depressão.

 

Texto complementar: Café e Depressão.

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